quinta-feira, 9 de março de 2017

O Brasil está se desindustrializando - E isso não é nada bom

Segundo Kaldor a indústria é o motor de crescimento de longo-prazo em função de quatro características fundamentais do setor industrial, a saber: i) presença de retornos crescentes de escala; ii) os efeitos de encadeamento para a frente e para trás na cadeia produtiva; iii) receptor e difusor do progresso tecnológico e iv) maior elasticidade renda das exportações. (OREIRO, J; MARCONI, N; 2014). 
Diferentemente do que muitos economistas apontam, a desindustrialização brasileira não é um desdobramento do processo de desenvolvimento. Existem casos, de muitos países europeus em que a desindustrialização pode ser vista como um fenômeno natural, pois a medida que esses países aumentaram consistentemente a renda per capita, a elasticidade renda da demanda por bens industrializados caiu, o que levou a uma redução da demanda pelos produtos industriais.

No caso brasileiro, a desindustrialização não é consequência natural do processo de desenvolvimento, pelo contrário é uma desindustrialização precoce com perda relativa do emprego e do valor adicionado da indústria, sendo acompanhada por um forte crescimento do setor de serviços não sofisticados
.
Sendo a doença holandesa um fator importante para explicar a desindustrialização brasileira, segundo Bresser:
A doença holandesa é a sobreapreciação permanente da taxa de câmbio de um país resultante da existência de recursos naturais abundantes e baratos (ou de mão-de-obra barata combinada com um diferencial de salários elevado) que garantem rendas ricardianas aos países que os possuem e exportam as commodities com eles produzidos. Essa sobreapreciação decorre do fato que sua exportação dessas commodities é compatível com uma taxa de câmbio mais valorizada do que seria necessário para tornar competitivas empresas de outros setores de bens comercializáveis mesmo que elas utilizem tecnologia no estado da arte mundial. (Bresser, Oreiro e Marconi; Structuralist Development Macroeconomics, Londres: Routledge,)

Nota-se que, a doença holandesa pode ser medida pela diferença entre a taxa de câmbio de equilíbrio em transações correntes e a taxa de câmbio de equilíbrio da indústria sendo no longo prazo prejudicial ao país, pois inviabiliza a industrialização ou, mais amplamente, impede a transferência de mão de obra para setores com valor adicionado per capita – transferência essa que é principal origem do aumento da produtividade e do desenvolvimento econômico.

Como solução, os novos desenvolvimentistas sugerem que o país deve seguir um padrão “profit-led”, em que o agregado macroeconômico câmbio real é fundamental para a retomada da indústria. Segundo Araújo e Gala (2012), uma desvalorização significativa da taxa de câmbio real aumentaria a lucratividade dos investimentos, levando a maior acumulação de capital, poupança, exportações e maior nível de demanda agregada e, assim, conduzindo a economia brasileira a um modelo de crescimento liderado por mais investimento e menos consumo e menos problemas de balanço de pagamentos, ou seja, um modelo de crescimento export-led/profit-led.
Uma vez que o modelo de crescimento brasileiro entre 2003 e 2010 se caracteriza como “wage-led” com uso de:

·         Política fiscal expansionista;
·         Transferências sociais;
·         Política de aumento do salário mínimo;
·         Altos gastos com habitação;
·         Política ativa de crédito por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), financiando e subsidiando o investimento privado e taxas menores de empréstimos;
·         Incentivo ao crédito por meio dos bancos públicos comerciais (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) que aumentaram a oferta de crédito para moradia e agricultura;
Dito isso, observa-se que:

“Essas políticas foram efetivas na redução dos índices de pobreza, desigualdade de renda e desemprego e no aumento da massa salarial na participação da renda. A recuperação da crise de 2008 foi muito rápida, à medida que o governo expandiu o investimento público e as políticas de crédito, mantendo os programas sociais. ” (CARVALHO, RUGISTKY; 2010)

Dentre as políticas supracitadas a que mais merece a atenção é a política salarial, pois permitiu o aumento do salário mínimo acima da inflação, dada a regra de reajuste do salário mínimo implantada em 2007, prevendo o reajuste, conforme a variação da inflação (índice INPC) no ano anterior mais o crescimento verificado do PIB de dois anos antes.
Assim, o salário mínimo cresceu muito acima da inflação desde os anos 2000, como segue no gráfico abaixo:
Figura 1- Evolução do salário real (1999-2013)
Elaboração própria; Fonte: IPEA DADOS 1 - Evolução do salário real (1998-2013)

Outro elemento importante do crescimento dos últimos anos foi a evolução do crédito, que permitiu a expansão do consumo, aumento do PIB e a inclusão social e econômica de grande parcela da população na classe C e D, em contrapartida tal medida colaborou para elevação de alavancagem das famílias e empresas.

Figura 2- Evolução do crédito total (2000-2010)
Elaboração própria; Fonte: IPEA DADOS

 Do ponto de vista macroeconômico: Observa-se que pelo lado da oferta agregada, a participação de serviços não sofisticados, ou seja, empregos que não requerem mão de obra qualificada e com baixa produtividade, sendo que muitos bens vendidos internamente foram provenientes da Ásia, culminando em um grande déficit na balança comercial que foi compensado pelo boom das commodities e entrada de capitais externos permitindo o financiamento do saldo do balanço de pagamentos. Logo, conclui-se que o Brasil, apesar de ter crescimento não teve ganho de produtividade e acarretou em elevado grau de endividamento comprometendo o consumo futuro. Os grandes projetos desenvolvidos no Brasil foram em grande parte relacionado ao setor de construção civil, varejo, setores que caracterizados por inovações incrementais e não inovações relevantes uma vez que, não existem economias de escala relevantes comparadas aos setores de manufaturas e serviços sofisticados.

Além disso, o padrão de crescimento brasileiro durante 2003 e 2010 agravou a desindustrialização brasileira. Portanto, no longo prazo, vislumbrou-se queda do investimento e déficits recorrentes no balanço de pagamento com reprimarização da pauta exportadora com uma estrutura voltada para a produção de bens com vantagens comparativas. Observa-se, evidentemente, na seguinte tabela a reprimarização da pauta exportadora brasileira, quando se compara os anos de 2000 e 2010.

Pauta Exportadora (Brasil, China, Rússia e Índia)
Structure of Exports
2000
2010
Brazil
Primary products
24%
44%
Brazil
Manufacturing based on natural resources
24%
22%
Brazil
Manufacturing - low tech
12%
7%
Brazil
Manufacturing - medium tech
25%
17%
Brazil
Manufacturing - high tech
12%
7%
Brazil
Others
3%
3%
Brazil
Total
100%
100%
China
Primary products
6%
2%
China
Manufacturing based on natural resources
10%
9%
China
Manufacturing - low tech
41%
29%
China
Manufacturing - medium tech
20%
25%
China
Manufacturing - high tech
22%
35%
China
Others
1%
1%
China
Total
100%
100%
India
Primary products
14%
12%
India
Manufacturing based on natural resources
28%
32%
India
Manufacturing - low tech
39%
25%
India
Manufacturing - medium tech
11%
17%
India
Manufacturing - high tech
5%
10%
India
Others
2%
4%
India
Total
100%
100%
     Russian
Primary products
41%
50%
     Russian
Manufacturing based on natural resources
26%
27%
     Russian
Manufacturing - low tech
5%
2%
     Russian
Manufacturing - medium tech
12%
8%
     Russian
Manufacturing - high tech
4%
2%
     Russian
Others
12%
10%
     Russian
Total
100%
100%

Tabela 1 - Comparação da estrutura das exportações ( Brasil;China;India;China)
Elaboração: JG  PALMA – Fonte: UN COMTRADE DATABASE

BIBLIOGRAFIA:

OREIRO, J; MARCONI, N (2014); “Teses Equivocadas no Debate sobre Desindustrialização e Perda de Competitividade da Indústria Brasileira”
BRESSER-PEREIRA, L.C; MARCONI, N; OREIRO; J (2013); “Doença holandesa” e “Neutralização da doença holandesa”, Capítulo 5 e 6 de Structuralist Development Macroeconomics. Londres: Routledge, a ser publicado
BRESSER-PEREIRA, L. C.; GALA, P. (2008). Foreign savings, insufficiency of demand, and low growth. Journal of Post Keynesian Economics,
CARVALHO, L; RUGISTKY, F (2015); Growth and distribution in Brazil the 21st century: revisiting the wage-led versus profit-led debate
ALDERIR, J.S (2016); O Crescimento e a desaceleração da economia brasileira (2003-2014) na perspectiva dos regimes de demanda neokaleckianos. Revista Da Sociedade Brasileira De Economia Política.
PALMA, J. G. (2012). Was Brazil's recent growth acceleration the world's most overrated boom? https://doi.org/10.17863/CAM.5227
ARAÚJO, E; GALA, P (2012); Regimes de crescimento econômico no Brasil: evidências empíricas e implicações de política.

Gala, P (2016); “Política industrial para o século XXI” (blog) 

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