Era
preciso, em um dia 8 de março, falar sobre todas nós. NÓS. As que falam e calam
por direito, mas, sobretudo, as que são caladas por deveres impostos por uma
cultura machista e cruel. As que ocupam os espaços apertados que nos restam nos
debates, mas, acima de qualquer circunstância, as que não têm qualquer que seja
um espaço: em sua profissão, sua vocação, sua visão e seus direitos. Essas mesmas,
as que vão de feministas extremas a pessoas que, não se sabe se por opção ou
não, se rotulam como tradicionais (e o que é ser tradicional em um mundo tão
plural?).
É
preciso entender que há uma evolução, mas é lenta. Mulheres hoje em dia podem
trabalhar, mas têm seus salários menores que os homens (sendo que esses não têm
mais o título de provedores das casas), são tantas vezes assediadas por
superiores (sexualmente e quando nos inferiorizam e nos constrangem em relação
a nossa capacidade), fora a jornada dupla em uma casa que os homens também
sujam e tripla com filhos que os homens também são pais – fora, claro, aquela
velha visão de que os parceiros estão “ajudando” a mulher e não meramente
fazendo sua parte (e tantas vezes nem 10% de sua parte), sem necessidade alguma
de serem vangloriados por continuar não cumprindo nem com a própria obrigação
na maioria das vezes. E não falamos sobre violência doméstica ainda. Mas quem
nunca ouviu que “mulher de malandro “gosta” de apanhar”?
As
mulheres possuem certa liberdade sexual, mas ainda são vistas com os mesmos
olhos ruins de 100 anos atrás. Os homens são criados para “namorar” todas e
elas para sofrer assédio de 99% deles, e se forem diferentes disso, já são
aquela velha palavrinha que você já sabe o que é. Até que as cabras possam
ficar tranquilas, pois o bode tem o mínimo de educação e respeito, o ditado
popular “segurem suas cabras, que meu bode está solto” ainda é uma realidade
horrível. E aaaaai do pai que resolver soltar as cabras, porque ela é um ser
racional e capaz de escolher o que pode fazer da sua vida e seu corpo, e ela
será taxada daquela velha palavrinha: “P-U-T-A”. Quando se é criança ou pré-adolescente
isso é um problema em potencial. Logo após, é quase que banal e que não
consegue atingir. Se você está com um short a 40°C, você é PUTA, mas o cara
está “ok” sem camisa. Se você faz o que quer da sua vida, também. E se você
dirigir desatenta (como qualquer homem – que inclusive tem estatísticas muito
piores no trânsito), idem. Qualquer coisa que você faça que desagrade ou
incomode qualquer pessoa, você será um enorme alvo disso (de mulheres também,
tantas vezes mais machistas).
A
visão de mulher como subalterna do homem vai além de uma relação de casal. As
mulheres são objetificadas, sendo vistas como um produto para consumo. Empresas
vêm se destacando (e faz parte da evolução que seja negativamente) por utilizar
os corpos femininos para vender absolutamente qualquer coisa – até móveis. E no
Brasil os valores encontram-se tão embaralhados que tudo bem se uma mulher está
nua na Sapucaí para os olhos “famintos”, mas uma mãe não pode amamentar seu
filho em um local público (e discute-se sempre multar uma mulher que alimenta
um bebê.)
Nos
cargos governamentais, é gritante. Há quem diga que as mulheres “não servem”
para governar – sem contar que somos feitas da mesma carne até na bíblia (um
artefato polêmico e tantas usado para disseminar o machismo). Há quem
ultrapasse as barreiras e coloque o adjetivo “PUTA” até nesse parágrafo. Eu sei
que você se lembrou dela, e pode achar a vontade que Dilma tenha sido uma má
governante, mas isso não tem nada a ver com chama-la de puta e com um
impeachment carregado de machismo e misoginia.
Falando
em política, uma polêmica matéria do ano passado coloca que o Brasil tem menos
mulheres na política que o Afeganistão, país com maioria islâmica, uma religião
que é tradicional por inferiorizar a mulher absurdamente (como se as outras religiões
não o fizessem de forma discreta e lavassem cérebros de que estão protegendo
nossas meninas e mulheres...). Nas eleições de 2016 as candidaturas do Brasil
eram um pouco mais de 30% femininas, sendo as mulheres 52, 21% do eleitorado. O
numero de prefeitas eleitas nesse ano não chegou a 13% e vereadoras a 33%.
Sabendo minimamente como os cargos são escolhidos em partidos, fica obvio a
repressão que existe, mesmo exigindo uma representação mínima em cada um deles.
Em
um cenário geral, não há espaço. Os homens (tantas vezes brancos e classe A) do
Brasil não querem perder o espaço monopolizado desde sempre. Após o golpe (ou
impeachment) que elegeu o primeiro ser que assume esse país com a ficha já suja
de antemão, inelegível e sem noção, Temer simplesmente colocou um total de ZERO
mulheres como ministras. Tentou “apaziguar” com secretarias que, quase que
ironicamente aparecem como “subalternas” a ministérios. Ouvi de alguns a favor
dessa bagunça que piorou o país, que esses eram os homens “competentes”, o que
faz tanto sentido quanto quando culparam uma menina de 16 anos por ser
estuprada por 20 homens, procuraram culpa na sua roupa, no local onde estava...
qualquer coisa a culpar os estupradores, que são homens. Ou achar tudo bem dar
poder a citados 20 e tantas vezes em delações, se são homens e mulheres não
devem ter cargo de poder.
Enquanto
não tivermos e ocuparmos os espaços, a velha piadinha deixa as risadas de lado e se torna
real: o dia 8 de março é dia internacional da mulher. Os outros 364 dias
permanecem sem título algum, sem causa social nenhuma e até mesmo sem contar no
calendário, são dias dos homens. Feliz dia da mulher. Que sofre mesmo sem saber, mesmo sem enxergar. Que é reprimida por todos os lados. E que, nós sabemos, não ocupa certos espaços por não haver lugar para nós em uma sociedade modelada por e para homens em todos os meios de influência: desde a igreja até o congresso.
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